Rápido e devagar: o controlador preguiçoso


Escrito em: 02/02/2017 por Anderson Dias

Parte 1. Os dois sistemas

Capítulo 3: O controlador preguiçoso

Daniel começa este capítulo relacionando a capacidade de pensar coerentemente ao esforço mental exigido ao aumentar o ritmo de um exercício de caminhada. Ele descreve que:

“Conforme acelero a marcha, minha atenção é atraída com frequência cada vez maior para a experiência de andar e para a manutenção deliberada de um ritmo mais acelerado. Minha capacidade de levar uma cadeia de pensamentos a uma conclusão fica igualmente prejudicada. (p. 53)”

O que o leva à conclusão de que:

“Autocontrole e pensamento deliberado aparentemente exigem o mesmo orçamento limitado de esforço.” (p. 53)

Nossa natureza evita o uso do Sistema 2, poupando-o somente para ocasiões de extrema importância. Por isso podemos dizer que a natureza é preguiçosa. O que explica a desconfiança de Kahneman:

“desconfio que a comutação frequente de tarefas e a aceleração do trabalho mental não sejam intrinsecamente prazerosos, e que as pessoas os evitam na medida do possível.” (p. 53)

A fuga

No capítulo anterior citamos como a pressão é motriz de esforço, mas não é somente sob pressão que precisamos de atenção:

“Mesmo na ausência de pressão do tempo, manter uma cadeia de pensamentos coerente exige disciplina.” (p. 53-54)

Dada esta nossa tendência preguiçosa nosso cérebro irá buscar formas de evitar o esforço e uma dessas tentativas é o processo de fuga (ou escape).

É interessante o relato do próprio autor sobre sua experiência com esses escapes:

“Alguém que observe o número de vezes que verifico meus e-mails ou olho dentro da geladeira durante uma hora em que estou escrevendo poderia inferir razoavelmente uma vontade de escapar e concluir que me manter na tarefa exige mais autocontrole do que sou capaz de reunir.” (p. 54)

Flow

Apesar de nossa natureza preguiçosa, estudos conduzidos por Mihaly Csikszentmihalyi indicam que, em alguns momentos, conseguimos vencer nossos instintos:

“as pessoas às vezes empregam esforço considerável por longos períodos de tempo sem ter de empregar a força de vontade.” (p. 54)

Este estado de pensamento é chamado flow e é descrito como:

“um estado de concentração sem esforço tão profundo que elas (as pessoas) perdem a noção do tempo, de si mesmas, de seus problemas” (p. 54)

Este estado sobrepõe nossa predisposição natural e:

“Em um estado de fluxo, porém, manter a atenção concentrada nessas atividades absorventes não exige nenhum empenho do autocontrole, desse modo liberando os recursos para serem dirigidos à tarefa que se apresenta.” (p. 54)

Esse seria o estado ótimo de utilização do Sistema 2: nosso cérebro focado totalmente na atividade, não gastando energia com o autocontrole.

Pretendo ler o livro sobre Flow em outro momento para entender melhor este estado ótimo de utilização do cérebro.

Auto-controle vs ansiedade

“Atualmente é uma proposição bem estabelecida que tanto o autocontrole como o esforço cognitivo são formas de trabalho mental.” (p. 54)

Um dos inimigos do autocontrole é a ansiedade.

“Preocupação demasiada sobre estar executando bem uma tarefa às vezes atrapalha o desempenho ao carregar a memória de curto prazo com pensamentos ansiosos desnecessários.” (p. 55)

À medida que a ansiedade vai nos tomando, perdemos o foco da tarefa a ser executada por comutação com a preocupação de alcançar o objetivo.

Isto explica muito bem a reação que algumas pessoas enfrentam de total paralisia frente à ansiedade causada pela pressão.

Como:

“autocontrole exige atenção e esforço.” (p. 55)

Logo:

“se você se vê obrigado a se forçar a fazer algo, fica menos disposto ou menos capaz de exercer autocontrole quando o próximo desafio se apresenta.” (p. 55)

Este efeito de incapacidade de exercer autocontrole é chamado de esgotamento de ego.

O combústivel do pensamento

Já vimos anteriormente que nossa iris reflete o esforço mental. Outro efeito colateral é sentido no consumo de glicose:

“Quando você está ativamente envolvido em um raciocínio cognitivo difícil ou ocupado numa tarefa que exige autocontrole, seu nível de glicose no sangue cai.” (p. 57)

Como a glicose é o combustível do nosso cérebro, à medida que estamos nos dedicando à tarefas complexas, iremos consumir mais glicose. Como restaurar o fornecimento de energia?

“A implicação óbvia dessa ideia é que os efeitos do esgotamento do ego podem ser anulados com a ingestão de glicose.” (p. 57)

Logo, comer doces é uma boa forma de reabastecer nosso fornecimento de energia pro cérebro:

“A restauração do nível de açúcar disponível no cérebro havia impedido a deterioração do desempenho.” (p. 57)

Intuição

O grande objetivo deste livro é nos concientizar que somos superconfiantes em nossa intuição e extremamente preguiçosos:

“muitas pessoas são super confiantes, inclinadas a depositar excessiva fé em suas intuições. Elas aparentemente acham o esforço cognitivo no mínimo moderadamente desagradável e evitam-no o máximo que podem.” (p. 60)

“Inteligência não é apenas a capacidade de raciocinar; é também a capacidade de encontrar material relevante na memória e mobilizar a atenção quando necessária.” (p. 61)

“Os pesquisadores descobriram que treinar a atenção não melhorava apenas o controle de execução; acertos em testes de inteligência não verbais também melhoravam, e a melhora era conservada por vários meses. Outra pesquisa feita pelo mesmo grupo identificou genes específicos que estão envolvidos no controle da atenção, revelou que técnicas de criação dos pais também afetavam essa capacidade e demonstraram uma ligação estreita entre a capacidade das crianças de controlar sua atenção e a capacidade de controlar suas emoções.” (p. 63)

“Indivíduos que de modo pouco crítico seguem suas intuições acerca de problemas também são propensos a aceitar outras sugestões do Sistema 1. Em particular, eles são impulsivos, impacientes e ávidos por receber gratificação imediata.” (p. 64)

Pensando no assunto

Na semana anterior à leitura deste capítulo eu percebi algo bastante interessante durante uma rotina de exercícios na bicicleta.

Antes de iniciar meu exercício eu vinha desenvolvendo um raciocínio. Iniciei a rotina de exercício em velocidade baixa e fui aumentando-a gradativamente.

O gráfico abaixo não é exato, mas ilustra a sensação que tive à medida que o exercício se intensificava:

Concentração vs esforço

Quanto mais o exercício se tornava intenso, mais eu perdia minha linha de pensamento e logo estava 100% focado em manter o ritmo. A linha vertical cinza demarca o momento onde eu perdi meu raciocício anterior totalmente.

A percepção que tive antes de ler o livro é muito parecida com o relato do próprio autor:

“Na máxima velocidade que consigo manter pelas colinas (…) nem mesmo tento pensar em mais nada.” (p. 53)

Até o esforço físico intenso demanda do mesmo recurso limitado do Sistema 2.

Alguns dias depois eu vi a seguinte imagem de Usain Bolt durante a Rio 2016:

Usain Bolt correndo e sorrindo por Cameron Spencer/Getty Images

Usain Bolt correndo e sorrindo por Cameron Spencer/Getty Images

Mesmo correndo à uma velocidade muito acima da minha capacidade, ele parece tranquilo. Como ele consegue? Através da especialização.

A repetição e exercício tornaram esta atividade em algo quase que automático, onde mesmo desempenhando em alta performance ele consegue se concentrar em outros assuntos.